terça-feira, junho 21, 2011

A noite que durou 21 anos


Era janeiro de 89.

Meu radinho de pilha estratégicamente sintonizado no “panorama Esportivo” da Rádio Globo, estava debaixo da cama no volume mínimo, apenas esperando o toque de recolher em casa. Nas outras camas, 2 de meus 3 irmãos, botafoguenses, ansiosos por alguma novidade, esperavam a porta do quarto dos nossos pais bater. Era a senha para aumentar o volume.

“Agora vamos falar do Botafogo que vai apresentar novo Técnico. É o gaucho Valdir Espinosa!”

QUEM? Perguntei atônito

O mais velho, Alexandre, antecipou: “Porra! É o Espinosa, que formou aquele timaço do Grêmio campeão do Mundo! Que raios ele veio fazer aqui no Rio?”

Continuava cético, por ser mais novo não conhecia absolutamente nada daquele senhor. Tinha apenas 6 anos quando Espinosa apareceu para o mundo com o Grêmio, mas meu irmão ficava mais exaltado, tentando convencer eu e Gustavo de que estávamos no caminho certo para acabar com um sofrimento que já passava dos 20 anos.

A exaltação chegou ao ouvido do meu pai que apareceu nervoso com o rosto vermelho colérico, como um juiz pra acabar com a nossa alegria:

“QUE BARULHEIRA É ESSA! EU TRABALHO AMANHA! VOCES ACORDAM CEDO! O que está acontecendo???”

Sem ação, já preparava pra ouvir calado o esporro, quando Alexandre num rompante de idiotice tentou convencer também meu pai, naquela madrugada, dando a boa nova:
“O Botafogo contratou o Espinosa”

“OH CACETE COM ESPINOSA, VAI DORMIR MOLEQUE!” Bradou o velho nordestino, fechando a porta com fúria.

Permanecemos calados por 1 minuto, e o silencio foi rompido com a porta abrindo novamente:

“O Espinosa que era do Gremio?”
“Esse mesmo, pai...”
“Bom...já é um começo, mas ele vai ter trabalho.” Fechou a porta novamente com esperanças renovadas. Uma esperança que o botafoguense já havia perdido há décadas.
Por anos não nos demos nem o direito de sonhar, os torcedores rivais já nem sentiam prazer em suas conquistas e sim em humilhar aquele que por ventura tivesse a coragem e insanidade de torcer pro Glorioso. Doía muito mais ter esperança, porque não foram poucas as vezes em que achamos que que aquele ano “era o ano” e algum juiz, ou mesmo a nossa conhecida falta de sorte nos sentenciava ao sofrimento. Como uma sina a frase “Certas coisas só acontecem ao Botafogo” era a mais usada no final de cada campeonato.

Naquela madrugada longínqua de 1989, nós fomos dormir tentando entender como aquele Mago Gaúcho iria fazer pra Paulinho Criciúma, Vitor, Luizinho, Mauro Galvão e Gottardo jogarem bola e nos livrar finalmente das 2 décadas de achincalhe.

O fato é que no dia 21 de Junho, ele foi mágico, e a imagem de Espinosa gritando “Só acredito quando ver a luz no placar eletrônico piscando Botafogo Campeão” ainda enche meus olhos de lágrimas

Hoje faz 22 anos que aquela conquista mudou a vida dos botafoguenses. Ao treinar um amontoado de jogadores desacreditados, e transformá-los em campeões invicto, Espinosa não sabia, mas começava a fazer parte da prece de todo os botafoguenses, dali por diante.

"Que Deus lhe dê muita saúde, amém"